Saturday, February 14, 2009

Ao som de um violino por Gustavo Samuel

Charles tira o paletó e a gravata. Seus olhos estão completamente secos. O pai o observa meio preocupado. Dá um tapinha nas costas do filho e diz:
- Chora um pouco, rapaz.
Ele tira o paletó também e pega uma garrafa de whisky e enche o copo. Bebe tudo quase de uma vez e estende o copo vazio para o filho:
- Quer beber um pouco? Vai te fazer bem.
Sem responder, ele vai para o quarto. Lá, encontra várias fotos dele com uma jovem sorridente, que parecia ter a mesma idade dele, vinte anos, sempre abraçados e sorrindo. Ele olha a escrivaninha e vê um presente com um cartão escrito “Feliz Aniversário”.
- Hum.
Sem nenhuma expressão no rosto, sem demonstrar dor ou angústia, Charles pega as fotos uma a uma e as joga na lixeira. Por último, pega o presente e o joga no lixo também.
Em um canto do quarto estava o violino. Ele o segura e ensaia algumas notas. Enquanto uma música se formava, as lembranças iam se materializando em sua mente. A mesma garota da foto batendo palmas depois que ele finalizara um trecho de uma sonata de Beethoven.
- Acompanhado do piano fica melhor.
- Você é incrível, carinho.
Ela beija o rosto dele e lhe entrega o presente de aniversário:
- Vou ter que viajar amanhã, tenho um show marcado. Mas só pode abri no dia, hein?
Um jornal com uma pequena reportagem na quinta página “Morre em acidente de carro uma cantora local”.
Concertos. Casas sempre lotadas. Músicas tristes que arrebatavam corações. Mário, o pai de Charles, se assustara com a meteórica ascensão da carreira do filho. Desde que Clara falecera, ele nunca mais falara uma só palavra. Sua música, no entanto, ficara genial, cheia de paixão segundo os críticos de arte.
- E de dor também, não é?
As noites de Charles dificilmente eram acompanhadas pelo sono. Geralmente, ele ficava no teatro tocando por horas seu violino. Só mesmo quando o corpo exigia, ele dormia um pouco.
- Fica comigo essa noite, e não te arrependerás, lá fora o frio é um açoite, calor aqui tu terás. Hum? Ah, você ainda está aí?
Karina para de esfregar o chão e abre um sorriso para Charles. Ela deixa o esfregão encostado na parede e vai até ele:
- Você realmente gosta disso, hein? Sou nova aqui. Me chamo Karina.
Ela estende a mão para ele. Ele a olha sem expressão alguma e não se move. Ela ainda mantém a mão estendida por um tempo e depois coça a nuca com a mesma mão sorrindo:
- Bem, nós vamos passar muitas noites juntas por aqui. Aos poucos nos tornaremos amigos. Confie em mim.
Outro dia. Outro concerto. Mais música. Mais esfregão:
- Tudo bem contigo?
Charles faz um leve aceno com a cabeça e volta sua atenção para o violino. Karina levanta uma das sobrancelhas e sorri satisfeita:
- É isso aí. Papo àbeça, mano.
Noites e mais noites se passam. Charles continua sem falar, mas suas expressões já não são tão frias. O pai nota que um leve sorriso sempre estava em seu rosto agora.
Karina ouve um som diferente vindo do violino. Nunca tinha escutado aquela música antes. Ela fecha os olhos e se deixa envolver pela melodia. Quando Charles termina, ela bate palmas eufórica:
-Linda, cara. De quem é?
Charles abre um sorriso largo e aponta para si mesmo. Karina arregala os olhos e volta a bater palmas efusivamente.
- Sua? Você é fantástico, fantástico, cara. Meus parabéns. E tem nome isso aí? Sonata 00000001 de Charles Batista?
Ele solta uma gargalhada e balança a cabeça negativamente. Seu rosto fica um pouco vermelho, esfrega a nuca com a mão e diz um pouco sem jeito:
- “Karina”.
Ela fica vermelha também. Respira fundo e limpa uma lágrima que escapulira do seu olho. Ela aproxima seu rosto do dele e os dois se beijam.
- Pensei que você fosse mudo.
Ele faz um sinal de “mais ou menos” com a mão.
- Eu ouvi sobre o que aconteceu contigo.
Charles desvia o olhar, mas Karina faz com que ele a encare de frente:
- Olha aqui pra mim. Tem alguma coisa que você quer dizer ou fazer? Algo que quer soltar há muito tempo?
Ela o abraça, ele fecha os olhos e finalmente as lágrimas caem. Soluços. Karina o aperta com mais força. Os dois se beijam novamente.
- Que maravilha! Visitas.
Charles aponta o próprio quarto e desaparece do campo de visão de Karina e do pai. Karina lança um sorriso para Mário e comenta brincando:
- Bonito, artista e caladão. Um sonho. Um sonho!
Com o violino na mão, Charles reaparece e aponta a porta, avistando que já estava de saída.
- Temos que fazer uma coisa importante, Seu Mário. Até mais.
Os dois colocam dois buquês de rosas brancas no túmulo de Clara. Charles pega o violino e faz alguns ajustes na afinação. Antes de tocar qualquer coisa, no entanto, ele pergunta para Karina:
- Tudo bem para você?
- Claro. Eu adorei a idéia. E a música tá linda. Toca.
Ele fecha os olhos e murmura baixinho:
- Fiz duas músicas com os nomes das mulheres que vivem no meu coração. A primeira é “Karina”, em homenagem a essa garota do meu lado. A segunda é para você, “Clara”.
Ele executa a melodia com máxima maestria. Quando termina, um vento forte começa a soprar. Karina pensa ouvir alguém batendo palmas. Olha de um lado para o outro e não vê ninguém. Ela ri de si mesma e bacana a cabeça:
- Bobagem.

1 comment:

Tania Montandon said...

Nossa, sensacional, Gustavo! Amei, até arrepiei! Excelente conto, suspense, místerio, romance e o final é brilhante!

beijo