Wednesday, February 6, 2008

Interrogações



A natureza selvagem das pedras, dos mares, das florestas
Provoca cumes de êxtase nas almas sensíveis
O que, afinal, originou tais belezas
Se não foi o homem, sua mente ou fortaleza?

D’onde surge a límpida água da cachoeira
Que desaba com força e beleza
Dos mais altos montes e desfiladeiros?

Como pode existir o arco-íris?
Será apenas efeito de óptica?
E que perfeito efeito!

O que há por trás dessa natureza?
Será Deus, amor ou poeira?
Será pura arte do acaso, mágica ou inteligência?



Refletindo sobre o absurdo

(...)Se é verdade, tal como Nietzsche o quer, que um filósofo, para ser estimável, deve dar o exemplo, avalia-se a importância desta resposta, visto que ela vai preceder o gesto definitivo.
São evidências sensíveis ao coração, mas é preciso aprofundá-las para as tornar claras ao espírito। Se pergunto a mim próprio como decidir se determinada interrogação é mais premente do que outra qualquer, concluo que a resposta depende das ações a que elas incitam ou obrigam. Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico.

Galileu, que possuía uma verdade científica importante, dela abjurou com a maior das facilidades deste mundo, logo que tal verdade pôs a sua vida em perigo। Fez bem, em certo sentido। Essa verdade não valia a fogueira. Qual deles, a Terra ou o Sol gira em redor do outro, é-nos profundamente indiferente. A bem dizer, é um assunto fútil. Em contrapartida, vejo que muitas pessoas morrem por considerarem que a vida merece ser vivida. Outros vejo que se fazem paradoxalmente matar pela idéias ou pelas ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver só ao mesmo tempo uma excelente razão de morrer).
Julgo pois que o sentido da vida é o mais premente dos assuntos —das interrogações। Como responder-lhes?
(...)

Importa-nos a relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este prepara-se, tal como acontece com uma grande obra, no silêncio do coração. O próprio homem o ignora. Uma bela noite, dá um tiro ou atira-se à água. De um gerente de prédios de rendimentos que se matara, diziam-se certo dia que ele perdera a filha havia cinco anos, que mudara muito, desde então e que essa história "o havia consumido". Não se pode desejar palavra mais exata. (...)As pessoas raramente se suicidam (a hipótese, no entanto, não se exclui) por reflexão। Aquilo que provoca a crise é quase sempre incontrolável. Os jornais falam muitas vezes de "desgostos íntimos" ou de "doença incurável". São explicações válidas. Mas era preciso saber se nesse próprio dia um amigo do desesperado não lhe falou num tom indiferente. Porque isso pode bastar para precipitar todos os rancores e todos os cansaços ainda em suspenso. Mas é difícil de fixar o momento preciso, o movimento sutil do espírito em que este se determinou pela morte, é mais fácil de tirar do próprio gesto as consequências que ele implica. Matar-se, em certo sentido (e tal como no melodrama), é confessar. É confessar que se é ultrapassado pela vida e que a não compreendemos.
(...)

Viver, naturalmente, nunca é fácil। Continuamos a fazer os gestos que a existência ordena, por muitas razões, a primeira das quais é o hábito. Morrer voluntariamente implica reconhecermos, mesmo instintivamente, o caráter irrisório desse hábito, o caráter insensato dessa agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento. Qual é então esse incalculável sentimento que priva o espírito do sono necessário à sua vida?

Um mundo que se pode explicar, mesmo com más razões, é um mundo familiar, mas, pelo contrário, num universo subitamente privado de ilusões e de luzes, o homem sente-se um estrangeiro। Tal exílio é sem recursos, visto que privado das recordações de uma pátria perdida ou da esperança de uma terra prometida. Esse divórcio entre o homem e a sua vida, entre o ator e o cenário. É que é verdadeiramente o sentido do absurdo. Como todos os homens sãos já pensaram no seu próprio suicídio, pode reconhecer-se, sem mais explicações, que há um elo direto entre tal sentimento e a aspiração ao nada.

(...)A priori, e invertendo os termos do problema, da mesma maneira que a gente se mata ou não se mata, parece haver unicamente duas soluções filosóficas: a do sim e a do não. Seria belo demais. Há que contar, porém, como aqueles que, sem tirarem conclusões, interrogam sempre. Aqui, mal ironizo: trata-se da maioria. Vejo igualmente que os que respondem não agem como se pensassem sim. De fato, se aceito o critério nitzscheano, eles pensam sim de uma maneira ou de outra. Pelo contrário, acontece muitas vezes que precisamente os que se suicidam eram os que estavam certos de haver encontrado um sentido da vida. (...)"

In: "Ensaio sobre o Absurdo", A.Camus